31 de julho de 2010


(...) ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais,depositem peixes mortos pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo as folhas lá bem ao sul e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim: ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com o gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como eu devoraria você. Ah se ousássemos!
Ele me olhava triste. Eu não suportava seu olhar triste a lembrar-me das vezes todas que o tinha procurado inutilmente pelas ruas sem encontrá-lo. Agora que o encontrava já não o procurava. E um encontro sem procura era tão inútil quanto uma procura sem encontro. Detalhei meus movimentos para que não o atemorizassem. E novamente o olhei. Ah se conseguisse. Mas sempre será preciso o pão desta agonia.


( Caio F. Abreu )

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