23 de novembro de 2010

Mas qual era a verdade?




O olho ardia. A língua travava de vontade de mudar todo o discurso pronto e dizer apenas a verdade. Mas qual era a verdade? Então seguia fingindo. A vida inteira. Estudou um monte de coisa que se embaralhava na sua frente, mas fingia acreditar que aquilo a levaria para algum lugar. Um lugar com novos amigos e novos amores, talvez. Talvez essa fosse a verdade que purificaria tanta coisa sem sentido. Mas também não era isso porque, com esses amigos e amores, seguia fingindo. De fingir estudar passou em tudo que fingiu se importar. De fingir curtir as festas e os amigos e aquilo tudo, vivia em álbuns felizes e acabava feliz. De fingir amar, acabou chorando e doendo e escrevendo tantas coisas bonitas. Seguia fingindo o tempo todo. Às vezes, com medo de morrer soterrada por tanto teatro, segurava firme no fundo dos olhos de alguém e dizia: a verdade é que, a verdade é que. E a pessoa, caso fosse assim como ela, uma pessoa especial (porque quem procura essa verdade sempre é) só dizia: eu sei, eu sei. E era isso. Um momento especial, de verdade, sem a bola de pêlo presa na goela. Sem a tosse de angústia, tentando soltar algo pro ar entrar. Mas que algo? Mas que tosse?
(...) Onde está a saída daqui? O tempo todo essa pergunta: onde está a saída daqui? Qual o caminho mais rápido para a minha cama, o silêncio, o escuro. Abraça as pernas, como criança, e se diz baixinho: não dá pra saber a verdade, não dá pra parar a cabeça, nada parece realmente o que é, hoje eu não disse o que realmente queria, aquelas pessoas não sentem aquilo que demonstram, eu pouco me importo com 70% dos preenchimentos do meu dia, mas é preciso chegar até amanhã. É preciso chegar.

(Trexo de "A história completa de Ritinha" - Tati Bernardi)

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